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domingo, 27 de maio de 2012

A Educação Filosófica

O filosofar pode ser visto como uma necessidade humana básica na medida em que precisamos lidar de maneira reflexiva com os desafios e conflitos impostos pela vida, buscando elaborar os significados ou motivos mais profundos da existência.
A educação filosófica busca compreender o papel fundamental da Filosofia numa educação que tenha o propósito de formação integral do ser humano, um ser com possibilidades de modificação e crescimento. Ela busca potencializar as capacidades do pensamento autônomo e autocorretivo pelo exercício da reflexão, investigação, crítica, criatividade e compromisso com a ética, a cidadania e a democracia.
O caminho que propomos para a educação filosófica é a comunidade de prática do filosofar. Alguns aspectos da educação filosófica:
1. A Pergunta. A força interrogante do pensamento é a base do filosofar. A prática do filosofar é orientada pelo questionamento aberto, contínuo, constante de modo a constituir um processo de investigação acumulativo, coerente, consistente e conseqüente. A pergunta é a alma ou essência desta atividade que permite ao pensamento a elaboração reflexiva dos sentidos da experiência. A pergunta que nasce da própria experiência de perplexidade ou espanto diante do mundo é a mais original fonte do interesse. Perguntar é uma escolha de rever as crenças, suspeitar das certezas estabelecidas. É permitir-se olhar para os aspectos problemáticos da vida. Transformar a insatisfação diante dos desafios da existência em um projeto de inquirição. Daí surge a necessidade buscar novas explicações, definir e clarificar os conceitos, resolver problemas. Quem faz um questionamento realmente intrigante, percebe um problema vital empenha todos os seus esforços na busca dos sentidos verdadeiros. O espírito problematizador que incorpora o hábito de perguntar vê os sentidos encontrados pela investigação como provisórios e sujeitos a novas indagações, criando um processo que se desenvolve de forma aberta e acumulativa através do perguntar-responder-perguntar.
2. Os Conceitos e os problemas. A indagação filosófica se ocupa das questões conceituais ou dos problemas que dizem respeito à vida das pessoas. Investigar conceitos ou problemas é uma necessidade humana para dar significação a experiência que se realiza na interação do individual-social, subjetivo-cultural. A prática do filosofar se desenvolve na reflexão sobre a linguagem que usamos para dar significados ao mundo, inclusive sobre o próprio filosofar. Pensamos com conceitos, mas, sobretudo, pensamos quando questionamos os conceitos e nos colocamos na investigação profunda, radical, abrangente e autocorretiva dos sentidos, dentro das exigências colocadas pela vida na sua multiplicidade de relações. Assim sendo, os conceitos passam a ser vistos como entidades históricas, complexas, controversas e, portanto, sujeitos ao fórum público da coletividade a que pertencemos num espírito de razoabilidade.
3. O Pensamento. A reflexão filosófica se dirige para a (des)construção dos conhecimentos, idéias ou conceitos e procura examinar o próprio processo falível do pensar avaliando a pertinência dos raciocínios, interpretações e julgamentos feitos. A filosofia se preocupa com uma cultura do pensar, promovendo a crítica do pensar – procedimentos, inferências, métodos, resultados – descobrindo os erros e se autocorrigindo. Neste processo, aprimora as habilidades de pensar que passam a ser instrumentos auxiliares no processo de investigação. Constrói-se assim uma relação dialética no processo investigativo entre o processo e o produto, meios e fins do pensar. O filosofar pode contribuir para a potencialização das capacidades de pensar, tornando o pensar consciente de si mesmo, ou seja, aprende-se a pensar por si mesmo. Aprende-se a transformar e usar o aprendido para a vida, não para a mera erudição. Este aprender a pensar, além de articular conhecimentos oriundos de diversas áreas, faz do aprendido bases para lançar-se além dele, para explorar o horizonte desconhecido e intrigante da condição humana. Isto só é possível quando se forma as capacidades de articulação, flexibilidade e autonomia do pensar e agir. Se filosofar é cuidar do aprimoramento do pensar e o pensar é um direito da pessoa, então parece necessário garantir o acesso ao filosofar.
4. O Diálogo.  A prática do filosofar se desenvolve no diálogo entre pessoas dispostas a se engajar na investigação de problemas comuns. Pressupõe interesse e envolvimento profundo no processo deliberativo de busca da verdade. O diálogo é gerado e se movimenta no conflito de pontos de vista. È preciso reconher que cada poto de vista é também um ponto de cegueira. Por isso, dialogar pressupõe “enxergar” com os olhos dos outros aquilo que não se conseguiu ver com os próprios olhos. Ter pontos de vista diferente não significa que os dialogantes são desiguais. Não é possível diálogo numa relação autoritária em que um lado se acha dono da verdade. Por isso, o diálogo exige procedimentos recíprocos para potencializar as diferenças mas regular a igualdade de condições de participação. Tais procedimentos que podemos chamar de habilidades sociais – ouvir atentamente, falar na sua vez, respeitar opiniões, ser tolerante, etc. – devem ser criados no exercício do próprio diálogo. Filosofar pode ser visto como o dialogar no exercício da racionalidade guiada por considerações lógicas e metacognitivas e pelos valores que proporcionam a interação social como cooperação, respeito, empatia, humildade, autocorreção, aspectos importantes para o crescimento da autonomia de pensar.
5. Os Filósofos.  Pela prática do filosofar foram criados conceitos e elaboradas soluções para certos problemas reconhecidos de grande importância para compreender a experiência humana. O acúmulo de reflexão dos filósofos nas mais diferentes culturas tem sempre algo a nos dizer quando nos defrontamos com tais conceitos ou problemas. Tem poder de iluminar a caminhada, mas não fazer a caminhada de quem está a caminho. Dialogar com a experiência dos filósofos, lendo e relendo seus textos, é uma parte importante do processo de filosofar para repensar os conceitos no processo de sua apropriação e usar o aprendido para a vida. Este trabalho potencializa o pensamento e amplia as possibilidades de interpretar as novas exigências sociais. Por outro lado, as condições sob as quais acontece a experiência presente, pelas mudanças históricas e novos desafios colocados para o ser humano, exigem também pensar novos conceitos e soluções buscando adequar às novas condições da existência. A prática do filosofar se dá numa aproximação crítica da cultura e numa postura criativa apontando possíveis caminhos para direcionar a experiência.
6. O Filosofar. A prática do filosofar só é possível no exercício das liberdades humanas: liberdade de pensar, expressar, escolher e agir. Ninguém é livre à custódia. Há muitas restrições à liberdade como quando o aprendizado é dominado pela memorização, pela primazia da transmissão do conteúdo ou de um saber enciclopédico; ou onde a vida se tornou uma rotina pela repetição mecânica de habilidades, ou ainda onde impera a ideologia de um pensamento hegemônico que impõe seus padrões de pensar como no caso do neoliberalismo, ou ainda quando há carência das necessidades básicas de vida. Querer filosofar de maneira abstrata e ilhada parece ser uma ilusão. Melhor seria falar em libertação vendo no filosofar a sua força motriz. Não se trata de um trabalho que só se pode fazer em certa idade, mas de uma atividade perene na vida. A qualidade do filosofar depende das mediações. O filosofar se dá a partir de um lugar, ou seja, da experiência em um contexto histórico, social e cultural que tem que ser levado em conta sem se deixar conformar pelas condições dadas. Filosofar, ao por em dúvida certas crenças, busca fugir da limitação do grupo social e proporcionar contato com ambiente mais amplo. Aceita o desafio de abrir horizonte, transcender as limitações impostas pelas circunstâncias imaginando e inventando novos significados, novos lugares, novas alternativas. A liberdade de pensar implica em compreender e transformar o conhecimento gerando a possibilidades de ser diferente. A possibilidade de modificação de si e da sociedade exige também responsabilidade pela construção da nova realidade e pelas consequência das ações. Filosofar como prática da liberdade pressupõe o compromisso com o destino da realidade pensada e assumida.
7. A Cidadania. Filosofar é a condição primeira para o exercício do direito de ter direitos. Ser cidadão no mundo atual exige o desenvolvimento da capacidade de pensar e agir de forma crítica, criteriosa, criativa e responsável. Há que se pensar o sentido da justiça, do bem comum, dos direitos e dos deveres. O exercício consciente da cidadania não é compatível com a alienação dos problemas da vida social e profissional. Daí que o exercício da cidadania passa necessariamente pela investigação rigorosa, participativa e pública dos significados e referências da comunidade, constituindo-se uma dimensão política e pedagógica da prática do filosofar. Cidadania é muito mais do que a reivindicação de direitos e cumprimento de deveres é um paradigma de conhecimento e de vida democrática alicerçado no diálogo, na reflexão e na investigação cooperativa. O que está em jogo é o desenvolvimento da consciência do indivíduo como personagem social capaz de intervenções em seu meio. A cidadania só se realiza na participação democrática que torna possível o acesso aos bens sociais, culturais e naturais. A democracia pode ser vista aqui como a condição de possibilidade da vida compartilhada que proporciona vastas oportunidades de tornar possível a solução de problemas pela inteligência cooperativa. Cidadania e democracia são também conceitos que necessitam ser continuamente reinventados pela reflexão filosófica.
8. A Ética. A prática do filosofar é em si uma experiência ética que investiga o sentido dos valores morais, das regras, dos costumes, dos hábitos que orientam a vida das pessoas. Indaga-se pelos conceitos e razões que as pessoas usam para dizer que as coisas são certas, justas, boas, etc. A prática moralizante que incute valores, normas e leis pela força da autoridade para serem seguidos como verdades absolutas forma pessoas heterônomas, dependentes e com medo da punição. A investigação ética, refletindo sobre os valores da cultura, busca ressignificar ou mesmo criar novos valores dentro das exigências sociais. A investigação ética exercita o pensamento e a imaginação na busca das melhores oportunidades para construir um mundo mais habitável, humano e solidário onde seja possível realizar o bem maior que é a felicidade. A ética pressupõe a construção da identidade, do caráter, ou seja, o desenvolvimento integral da pessoa. Este processo dá-se numa relação intersubjetiva. É no diálogo com os outros que se dá a descoberta das próprias capacidades. Aprende-se a lidar com as qualidades e potencialidades, desenvolve-se um estilo de pensar e agir, apura-se a dimensão do gosto e da vontade, sobretudo, cria condições de possibilidade de decidir o destino pessoal. Assim, adquire-se consciência da singularidade de si mesmo, aprendendo a se valorizar, a ter respeito próprio e responsabilidade pela condução de sua vida.  Aprende-se também a tratar com respeito os outros. Estes são alguns aprendizados que criam condições para o pensar e o agir éticos de forma autônoma. A autonomia implica ter auto-estima e se autogovernar levando em conta o outro. Autonomia pode ser entendida como o exercício do autogoverno na relação com os membros de uma comunidade. Implica respeito ao outro como diferente e co-constituidor de si mesmo. Uma diferença no grupo deve fazer diferença para cada um. Por isso, o filosofar ético pode estimular as diferenças enriquecedoras e prevenir discriminações que produzem desigualdade, intolerância, violência e o empobrecimento das relações sociais. Pelo filosofar ético desenvolve-se a consciência moral que é a mais completa e ampla de todas.
9. A Educação. A prática do filosofar é uma forma de educação do pensamento. O pressuposto da educação é a crença na possibilidade do pensameto poder ser modificado, desenvolvido, aperfeiçoado. O filosofar cultiva a excelência do pensar. O eixo em torno do qual gravita a educação é o pensar e não o aprender conteúdos ou habilidades. A filosofia lida com a experiência de pensamento que se desenvolve e cresce trabalhando na (des)construção das múltiplas formas do ser, buscando encontrar a unidade na diversidade. O filosofar pode ser vista como um processo contínuo e permanente de fazer-se a si mesmo empoderando-se dos sentidos do humano, através do questionamento e da reflexão criadores das referências que orientam a vida. Filosofar é uma prática de formação das formas de ser, de fazer-se humano, pela atividade da imaginação, criatividade e investigação. Trata-se de um trabalho sobre a própria potencialidade do ser para formar-se na abertura de seu espírito em direção à vida social onde se dá a sua mais plena realização. A filosofia é uma ferramenta fundamental para o processo de emancipação que é necessariamente questionador e criador de novas realidades. Por isso, a filosofia é vida e ao mesmo tempo educação e, neste sentido, nos faz sujeitos da própria história.
10.  A Interdisciplinaridade. Na prática do filosofar o pensamento volta-se sobre sua prática. Interroga sobre seus caminhos, seus critérios, seus procedimentos, seus resultados e os meios para saber o que é verdadeiro e como alcançá-lo no processo da investigação. Busca educar a si mesmo através dos processos de análise, de crítica e de autocorreção do comportamento investigativo, aprimorando o próprio processo. A filosofia se preocupa com os aspectos lógicos do pensamento e aspectos epistemológicos do conhecimento. Além disso, a filosofia se preocupa com outras áreas de relevante valor para a experiência como a ética, a estética, a política, antropologia, dentre outras. Estas áreas tratam de conceitos que se interpenetram com todas as demais áreas de conhecimento. A prática do cientista ou do professor não é neutra. Ela está ancorada em pressupostos lógicos, epistemológicos, estéticos, políticos, antropológicos. Neste sentido a filosofia pode ser praticada nas diversas áreas de conhecimento evitando um pensar reducionista, provinciano, fragmentado. A crise do pensamento atual, da fragmentação e dispersão dos saberes do currículo escolar e da própria cultura se deve em parte à falta da reflexão filosófica profunda, radical, abrangente capaz de articular dialeticamente as dimensões de parte-todo, meios e fins, teoria e prática, conteúdo e método, sujeito e objeto. Assim, filosofar pode ser visto como um lugar e um instrumento da articulação curricular e cultural, como gestadora de um diálogo entre intra e interdisciplinar capaz de favorecer a compreensão através de um pensar complexo, holístico, totalizante.
 Estas reflexões são apenas um convite para um diálogo mais profundo sobre o significado do filosofar, aqui entendido como um direito fundamental do ser humano.
 A palavra filosofia foi criada pela união das palavras amor ou amizade e sabedoria. A força do amor ou da amizade deveria mover cada um a se envolver numa luta pela democratização do acesso à filosofia em todas as idades, em todos os momentos da educação que se proponha formadora das pessoas, em todos os espaços da vida. O amor é um sentimento contagiante.

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