quarta-feira, 29 de abril de 2015
Os 4 principais desafios do coordenador pedagógico
Articulador
do projeto pedagógico, formador do corpo docente, transformador do ambiente
escolar. Em sua função plena, o coordenador pedagógico se assemelha a um
regente: conduz a orquestra com gestos claros e instiga um intenso senso de
união entre seus pares. Mas a realidade nas escolas brasileiras ainda desafina.
Sem plano de carreira específico, sem formação adequada, com demandas diversas
que o desviam da função, o coordenador pedagógico enfrenta, ainda, diversos
tipos de pressão.
A
formação docente, que deveria estar no centro de suas funções de articulador, é
relegada a segundo plano pela falta de tempo e planejamento. A relação com a
família, vitrine do projeto pedagógico da escola, sofre com mal-entendidos
gerados por estereótipos consagrados. Os resultados de avaliações externas
pressionam por resultados imediatos do trabalho cotidiano, que muitas vezes
precisa ser regido em outro tempo. E o modelo de gestão escolar, se não é
descentralizado, gera inevitáveis desgastes com a direção da escola. Coordenadores
pedagógicos e especialistas em educação descortinam esses cenários e propõem
possíveis caminhos de escape para essa panela não explodir. A conclusão é a de
que, com diálogo, trabalho em equipe e clareza de funções, é possível, sim,
afinar a orquestra.
Desvio de função
A boa
notícia é que, apesar de tantos problemas persistentes, a identidade desse
profissional está cada vez mais fortalecida e seu papel dentro da escola vem
ganhando reconhecimento. Mas, afinal, qual cenário tem levado os coordenadores
a estarem em um ambiente tão complexo?
Nos
documentos legais e nos estudos acadêmicos, a discriminação das funções do
coordenador pedagógico é muito clara, mas a prática é bem diferente do que o
descrito no papel, explica Vera Placco, professora da pós-graduação em
psicologia da educação na PUC-SP e uma das organizadoras da coleção O
coordenador pedagógico (Editora Loyola).
Para a
professora, o fato de as demandas do próprio sistema de educação, dos
diretores, dos pais e alunos serem diferentes acaba contribuindo para desviar o
coordenador de sua função original. "Uma escola tem sempre urgências, e o
coordenador pedagógico acaba solicitado nesses momentos. Há um descompasso
muito grande, com demandas contraditórias", afirma.
A falta
de clareza do próprio coordenador sobre suas responsabilidades ajuda a acentuar
o desvio de sua prática profissional. "A própria não formação faz com que,
às vezes, o coordenador não tenha certeza de como desempenhar seu papel. Ele
não se sente seguro e acaba se dedicando a outras tarefas", diz Vera.
Prado
acredita que o centro do trabalho do coordenador pedagógico seja potencializar
o repertório dos professores a favor da aprendizagem das crianças e jovens.
"O trabalho se dá a partir da interlocução das necessidades da comunidade
que a escola atende, com as necessidades formativas daqueles professores e as
exigências do currículo", define.
Vera
defende que o profissional tenha perfil apoiado em três pilares: ser um
formador, um articulador e um transformador. Formador porque vai ajudar o corpo
docente a se aprimorar. "Para ser um formador e ajudar o professor a lidar
com seu próprio conhecimento é preciso entender de didática e metodologias. Mas
não precisa ser especialista em física para discutir com o professor de física
sobre como ajudar os alunos a aprenderem mais", exemplifica. O coordenador
deve ainda articular as pessoas, os processos de aprendizagem e o projeto
pedagógico da escola.
Por
fim, o caráter transformador visa incentivar - ou até mesmo provocar - a todos
na escola a buscarem avançar constantemente. "É uma questão de atitude,
que tem a ver com uma visão de educação, de sociedade e de pessoas, que
implique reconhecer que estamos sempre em mudança. O coordenador deve cutucar o
professor - porque fazer a mesma coisa no ano seguinte é um retrocesso",
afirma Vera.
Por
ser, na maior parte das vezes, uma função assumida por um professor, o
coordenador muitas vezes sofre por não ter uma carreira específica. No sistema
estadual do Rio de Janeiro, por exemplo, até 2011 nem sequer a função de
coordenador estava regulamentada - os diretores escolhiam de maneira informal
algum professor de sua confiança para assumir o papel. Mesmo instituída nas
redes públicas, a questão da carreira, de forma geral, continua mal resolvida,
também na rede particular. "Por não ter garantia, o coordenador fica numa
posição frágil, sem certeza de continuidade, sem saber se vai estar lá
amanhã", afirma Cecilia Hanna Mate, docente da Faculdade de Educação da
USP. Para ela, essa é uma questão trabalhista que acaba se refletindo nos
processos de ensino-aprendizagem da escola. "Mas mesmo na precariedade, há
coordenadores que abraçam sua função e fazem um trabalho excelente",
ressalta.
A
negligência de muitas escolas em olhar para esse papel importante contribui
para a distorção da função. "Quanto mais a escola tiver um projeto
político pedagógico bem construído, mais alinhavado, mais claros os papéis de
cada ator - e mais interessantes os resultados", avalia.
E
quanto mais democrática for a escola, maior a necessidade de um bom coordenador
pedagógico, acredita Luiza Christov, professora do Instituto de Artes da
Universidade Estadual Paulista (Unesp). "Nos anos 70 já havia um
profissional com nome semelhante, mas era outra concepção. Ele era um técnico
que preparava apostilas, nada era discutido. O coordenador se faz necessário
sob uma perspectiva democrática de escolas, em que ela vai sendo construída por
professores, alunos, pais, funcionários."
Um novo lugar
Assim,
é a partir dos anos 80, com o processo de redemocratização depois da ditadura
militar, que esse profissional começa a conquistar o seu lugar. Desde então, os
documentos oficiais dos sistemas escolares insistem na construção coletiva do
projeto de escola. Segundo Luiza, na equipe de gestão, o diretor deve garantir
as condições de infraestrutura, e os coordenadores devem promover o
desenvolvimento das reflexões sobre a aprendizagem.
Mas
embora a necessidade da gestão democrática seja conhecida e debatida há três
décadas, o desafio prático ainda se faz presente, sobretudo quanto a se criar
um tempo para encontros e elaborações coletivas, pois elas exigem
"negociações, enfrentamento de conflitos, superação de vaidades e cultivo
da escuta". E mesmo escolas que foram concebidas de forma democrática têm
de continuar cuidando de seus espaços coletivos, para atualizar suas práticas,
currículos e gestão. "A escola é movimento sempre", lembra Luiza.
Nesse
sentido, entra a questão da reorganização dos tempos escolares, para que o
coordenador possa estar junto dos professores, tanto individual quanto
coletivamente, de forma tranquila, que possibilite uma reflexão aprofundada. O
imediatismo das respostas aos sistemas, a burocratização dos documentos e das
ações, a hierarquização das relações e as condições precárias de trabalho
acabam tomando grande parte dos tempos que seriam destinados à construção
coletiva do currículo e projeto de escola, afirma a professora da Unesp.
Por
fim, todos os coordenadores deveriam também ter um acompanhamento à sua
disposição. "Os coordenadores cuidam dos professores, mas precisam de
alguém que cuide deles", defende Luiza. Esse olhar próximo seria tanto
para lhes cobrar ações, quanto para auxiliá-los - assim como eles devem fazer
com os professores.
Embora
o caminho seja longo, os que estudam o tema reconhecem que nessas três décadas
de lutas por uma escola democrática, os coordenadores pedagógicos acumulam
inúmeras conquistas. Mesmo em face de tantas adversidades, os coordenadores
normalmente se mostram um grupo interessado e dedicado, observa Vera Placco, da
PUC. "O que vejo é que os coordenadores querem se aperfeiçoar, pesquisar,
ir para a prática. Eles estão cada vez mais preocupados, reivindicando mais
espaços e formação para si próprios", relata. A batalha tem se mostrado
longa, mas a maioria segue disposta a lutar.
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